domingo, 28 de junho de 2009

(Diálogo sobre a Amizade)



A amizade penetra nos menores detalhes da nossa vida,
o que torna frequentes as ocasiões de ofensas e melindres:
o sábio deve evitá-las, destruí-las ou suportá-las
quando necessário for.

A única ocasião em que não devemos deixar de ofender
um amigo, é quando se trata de lhe dizer a verdade
e de lhe provar assim a nossa fidelidade.

Porque não devemos deixar de sobreavisar os nossos amigos,
ainda quando se trate de os repreender. E nós mesmos devemos
levar isto em boa vontade, quando tais repreensões
são ditadas pelo bem querer.

Todavia, sou forçado a confessá-lo, como disse o nosso
Terêncio no seu Adriana: "A benevolência gera a amizade;
a verdade, o ódio".

Sem dúvida a verdade é molesta se produz
o ódio, este veneno da amizade.
Mas a magnanimidade é-o ainda mais, porque para
a indulgência culpável, pelas faltas de um amigo,
ela deixa-o precipitar-se nas suas ruínas.

Mas a falta mais grave é a que despreza a verdade
e se deixa conduzir ao mal pelaadulação.
Este ponto reclama toda a nossa vigilância e atenção.

Afastemos o ácido das nossas advertências,
a injúria dos nossos reproches; que a nossa complacência
(sirvo-me voluntário da expressão de Terêncio)
seja farta de urbanidade; mas longe da nossa baixa adulação,
este auxiliar indigno de um amigo e mesmo de um homem livre.
Lembremo-nos que se vive com um amigo diferentemente
de como se vive com um tirano.

Quanto àquele cujos ouvidos se fecharam à verdade
ao ponto de não entender mesmo a boca do amigo,
é preciso desesperar da sua salvação.

Conhece-se a frase de Catão que, entre outras, ficou proverbial:
"A amargura dos nossos inimigos, serve-nos bem mais
que a doçura dos nossos amigos: aqueles dizem-nos
quase sempre a verdade; estes, jamais".

O que lia de desarrazoado é que os amigos que se advertem
não se encolerizem do que deve causar-lhes pena,
e o façam ao contrário do que deve não lhes causar nenhuma.
Em lugar de se encolerizar de haver mal agido, eles o são
de ser repreendidos. Enquanto que, ao contrário,
eles deveriam afligir-se da falta e alegrar-se da censura.

Marcus Cícero
Diálogo sobre a Amizade

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